terça-feira, 30 de novembro de 2010

A alguém que amarei

Eu busquei em três anos
Toda sorte de calma.
Em três mil olhares
Um afago que me envolvesse,
Segundo a segundo,
Passos a passos intermináveis.
Eu busquei o descanso.

De idas e vindas,
De percalços a goles exagerados,
A procura de abraços,
De dois braços perfumados,
De um corpo escorregadio,
De uma voz que não ressoa.
Segui meu caminho.

Mudando as roupas,
Deixando a barba,
Para um destino no mar,
Vultuoso e flutuante,
Inflexível e envernizado,
De sal para solidão,
Fui embalado à deriva.
Por gargalhadas me crescendo a descrição.

Uma seriedade esguia,
Um humor de olhos fechados,
Um disfarce para me enganar.
Aquela calma era dor
E eu não sabia.
Pobre de mim.

Os anos iam,
A cabeça cada vez mais vazia;
A fome rachada de tanta sede.
Onde estava? Por onde andava?
Meus três anos ali jaziam.

Que senda espinhosa!
Quantas pedras inquebrantáveis!
O meu sufoco, meu peito oco de tanto ar.
Toda sensibilidade engessada,
Tantos sentimentos esclerosados.
Fui eu a causa,
Não percebi.
Mas como?
Os ventos não falam,
Sopram!

E soprou uma sombrosa.
Sutis gestos
Que me avizinhava.
Toques...
Sempre toques me arrepiavam.
Trouxe-me uma fumaça alcoólica
Entre o meu e o seu corpo,
Entre o teu e o meu suor
De gosto salino,
De boca, de carne e saliva.
De cheiro embriagador.
Meu mais fugidio desespero,
De dentes e marcas,
De dor e de orgasmos,
Junto a meus dedos apertados,
Junto a teus cabelos revoltos.

Trouxe-me a ti.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Estradas e Confins

As viagens são longas
Mas o mundo continua parecendo pequeno.
Tantas paisagens,
Tanto chão
E a mesma cara amaçada.
Os mesmo sonhos,
As mesmas palavras.
O nosso povo fala uma só língua:
O português.
Se errado, se certo,
Isto não importa.
Falamos com gestos
Com os tantos olhares perdidos,
Desavergonhados,
Com os mais sinceros sorrisos
E a pele fibrosa e desgastada.
É a nossa realidade de Sol,
De enchada.
De precoce rugas no rosto,
De mãos calejadas.
De um desemprego perverso,
De um amor sendo feito às pressas,
Do lazer abafado,
Da vida corrida e cronometrada.
Viemos aqui, somos daqui,
De todos e de todas,
Sem nomes, sem lugares,
Confundidos e relegados a uma margem estreita,
Oprimidos e condenados a escuros eternos.
Simplesmente fudidos:
De carne, de lágrimas, de prole,
De sangue, de fibra, de força.
É o povo das nações todas
Chama-se assim:
Classe Trabalhadora.

domingo, 15 de agosto de 2010

Sintam

Eu sou um fragmento de mim.
Eu sou fragmentado de mim,
Rachado, trincado.
Um pedaço de vidro confuso e opaco.
Por mim não passa luz.

Nem reflito, nem reproduzo.
Um campo infértil;
Vasos dilatados que exprimem pus.
Escorrimento de demência,
Vagina infectada,
Mal cheirosa.

Sentem?

Esse é o ser intelectual:
Fede!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Masturbação

Insisto.
A mim mesmo digo.
Insisto!
Vou e volto.
Inspirado ou mesmo sem ar.
Não desisto.
És pra mim sempre
Consolo, abandono e frustração.
Sem resistência, reticências, sem repulsa.
Ou sem convite algum
Sento-me diante de ti,
A te apreciar,
Esperando que daí saia a minha mais bela obra,
Mas continua em branco.

Poderia falar como gosto do branco,
Mas seria injusto se não falasse de outras cores.
Por isso mesmo
Não falarei de nenhuma coisa.
Voltando...
É melhor não me perder nesse dilema.

Busco de volta com amor
A vaidade mais absurda,
Mais escondida, deteriorada,
Enfiada nos meus porões,
Nas fendas enormes das minhas feridas,
Na minha cara.

Ache-me lá.
Perdido no sótão.
Aprendendo ainda a escrever,
No diálogo confuso do que eu quero.
No diálogo sim,
Pois não sou apenas um.
Sou dois, sou três, sou quatro.
Sou aquele que não é,
Mas que está sendo.
A recusa do Ser,
A afirmação do Estar.

Pra ti sonhei a palavra mais bonita,
Rima que não consegui fazer
E que tanto me maltrata.
Patético, não?

O som da ironia embebeda meus ouvidos,
Dilui minhas palavras,

Me abraça inteiro na solidão.

Ridícula!
Meus olhos mergulham na retina da luz opaca,
Nas parcas idéias.

A todos aqueles cansados.
Gritai só mais uma vez
Antes que o silêncio nos desperte.

Acorde!
Um dia cinzento vem vindo.
Uma tarde quente incomoda.
Uma noite se levante e dorme.
Dorme...
Que é pra ter força,
Levantar a cabeça em recusa,
Adentrar rio a fundo,
As enormidades da vida pré-determinada,
Em prol de uma indecisão inconclusa.
Não se iluda, não se iluda.
Nessa data eu estarei sempre com minhas hesitações.

Chegou o dia de eu me afastar de tudo.
Não se preocupe,
Por favor,
Não há receio
Estou decidido.
Já amarrei os cadarços,
O tempo de ser
Se foi.
Não olho mais pra trás.
O que me resta?
Você?
A minha vida seria muito limitada se fosse só você.
Pouco romantismo é necessário...
Nos prendemos muito
E nessa sociedade não temos tempo...
Vamos acabar logo com isso.
Mas não chore,
Eu ainda te amo.
Se você quiser posso te masturbar.
Um abraço.
Até a próxima!

Dúvidas

Precisa sair das entranhas?
Ser rimado? Ter métrica?
Precisa vir de um poeta?

Com esforço e com muita dor?
Com sofreguidão, com amor?
Com melancolia, com sexo?
É preciso fazer sucesso?

(vai ter um dia em que eu não vou agüentar)

À noite, ou pelo dia
Na cama ou na cozinha
Em casa ou na rua
Para o mar ou pela Lua.

De calça ou sem calçado
Por Deus ou pelo Diabo
Tranqüilo ou agitado
Preciso de um coração... Salgado

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Disléxico

Eu esqueci...
Minha memória
A toda, toda hora,
Minha memória em devaneios afunda, perde.

Sou tão confuso.
Ora, tão confuso!
Absorto...
Quanta falta de atenção!
Sou disléxico!
Leio, leio e nada.
Bóio sobre as palavras.

Me naufrago, me palavro.
Numa só palavra sou tragado.
Meus pensamentos são como aquele rio:
Águas difusas, correntes subalternas, idéias paradas.

Um rio de lamentações
Onde nunca ascendo à superfície.
Não conheço-me a mim mesmo,
Não que eu queira como absoluto,
Mas é que deste quarto
Só conheço o que a luz alheia me oferece, me permite.
Não sou a candeia da minha própria luz,
Da minha própria vida.
Vivo numa escuridão
Resplandecido por feixes que sobram,
Que me abatem como balas perdidas que atingem suas vítimas sem querer
E lhe brindam com o clarão da morte.

Não me acho.
Por uma deficiência orgânica e psicológica.
E a luz que me toca
É tão dolorosa
Quanto qualquer Sol que me encara.

“a tendência é exaltar-nos.
Mas eu... Observem um pouco.
Basta só um pouco
E vão perceber
Quanto solitário,
Quanta embriaguez nos fins de semana
Para esquecer uma vida inteira.
Quanto exagero em ser discreto,
Quanta estupidez pretensiosa.
Quanto... Vazio."

Presunção

Escutai-me!
Há beleza em tudo isso.
O meu silêncio é uma porta para a timidez.
É meu jeito de incomodar aqueles que muito falam.
É minha identidade,
Meu preconceito com os tagarelas,
A minha ausência,
Minha indiferença constante.
É o meu desgosto para com aqueles que não me entendem.

Escutai-me!
Estou cansado e de saco cheio.
Calem as matracas
E assentem seus barulhos.
Agora apreciem coletivamente todo silêncio.
O meu silêncio.

“O mar, que não pensa,
Sabe, no entanto,
O momento certo de gritar suas marulhadas
E de calar seus lamentos.”

Todos e Todas

Perdoem-me!
Não sou modelo.
Fico até um pouco sentido com isso.
Eu poderia tentar, é verdade.
E de certo eu tento,
Mas não consigo.
Lamento.
O fracasso é só meu,
Embora não me importe com isso
Pelo menos, não tanto.

Preciso pedir desculpas, como não?
Não deveria expor dessa forma dramática a minha incompetência.
“Ora! Que os incompetentes tomem-se a sós. Ocupem-se vocês com suas merdas pra lá, concordam?”
De forma alguma irei contrariar a vaga dessa maré,
De forma alguma irei contrariar o hálito desse discurso.

São todos tão bons,
Perfeitos,
Opressivamente maravilhosos.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Hora

Entre as suas prendas mergulhei profundamente para uma flor que mais parecia um doce gomo e que ainda hoje me escorre pela boca.

domingo, 2 de maio de 2010

Devaneio

Antes de mim nada aconteceu. Não me importa, não quero saber, nem precisa dizer. Poupe sua saliva. Por que tentar explicar? O que te faz pensar que assim eu ficarei melhor? O que te faz pensar que me deve explicação, satisfação, justificativa, motivo, qualquer coisa? Do contrário, eu não faria nada, eu não diria nada. Talvez até fingisse que nada aconteceu. Simplesmente pararia, olharia com uma doce indiferença pra que só aos poucos você fosse notando o meu distanciamento. Nada de supetão, mas gradativamente. Você entenderia. A minha frieza iria parecer mais um manto morno, racional ao extremo, longe de qualquer emoção, dor. Pra quê tanto sentimento? Isso só poderia nos magoar, anular aos poucos a nossa capacidade de amar e de expressar livremente esse amor. Ninguém merece ser amado. Essa é a maior prova de amor que alguém pode nos oferecer: não amar. Ninguém merece ser acometido, arrebatado, exposto à tamanha vária intensidade, à incerteza, ao peso esmagador. Ninguém merece adoecer de tão alta febre a nos colocar loucos.

Muitos relacionamentos iniciam-se sem que alguém precise dizer que começou. Simplesmente começam, como as amizades. Porém, para se findar um relacionamento, para pôr um ponto final, as pessoas ainda se mobilizam, se sensibilizam e reclamam uma reunião, como o divórcio para os casamentos. Será que não percebem? De onde vem essa necessidade burocrática? Por que pensar o fim, que não é um fim em si mesmo, como uma rescisão de contrato? Já vivenciamos isso cotidianamente em praticamente todas as esferas de nossas vidas. Por que, então? Pra quê estabelecer relações contratuais entre duas ou mais pessoas que se gostam. As nossas vidas não são feitas de pontos finais, mas sim de reticências.

O diálogo é importante, mas nem sempre ou quase nunca somos sinceros. Utilizamos a linguagem mais para esconder nossos pensamentos do que para evidenciá-los. É muito perigoso tentarmos solucionar nossos problemas mediante um diálogo sincero. Todo bem intencionado pela sinceridade é um suspeito em potencial das coisas desagregadoras.

sábado, 1 de maio de 2010

textos intermitentes

Eu vim deixando pra trás tudo que eu carreguei a vida inteira. Foi aprendendo a indiferença que eu comecei a perceber o que carregava comigo, em mim mesmo. Precisei de um tempo para, honestamente, fazer uma autocrítica, dos pés a cabeça observar os valores que eu trajava, dos pés a cabeça observar a minha imbecilidade, a minha figura cômica que era apenas reflexo do quanto ridículo e medíocre é a sociedade.
Quanta indiferença tem a natureza. Consigo nascemos e morremos (todos os seres vivos) e nem uma só lágrima derrama de consolo, nem um riso casual ou fingido, nenhum esboço de tristeza, nada. Não pensem que a chuva é a expressão deprimida do mundo. Ela é tão indiferente quanto ele, indiferente a si mesma, ao que faz, à água que derrama, à vida que espalha ao molhar e àquela que tira quando das enchentes, das enxurradas. Não sabe que molha, nem por que molha, simplesmente o faz.
Quando percebi isso, quando descobri o sentido da vida, que é não ter sentido nenhum, que não faz nenhum sentido, foi aí, eu acho, que decidi ser igual à chuva: espalhar-me sem distinção, sem julgamento moral, sem preconceito ou discriminação; sem opressão, pressão, raça, cor, credo ou presunção. Sem pressupor nada.