sábado, 27 de setembro de 2008

Às avessas

Me turva a mente,
Me extrai um pouco de luz.
Me faz fogo,
Me agüenta, me seduz.

Me traz as vestes pretas dos anjos.
Me tinge a tez de negro.
Me faz revoltado,
Me coloca o desapego.

Me aguarda, me dobra,
Me cobra, me guarda.
Me ventila nu.
Me quebra a razão,
Me tora as veias do coração.

Me reconfigura o amor,
Pois se é dor que o mundo oferece e traz,
Amando-a desse jeito assim,
Talvez eu ame ainda mais.

Rebordosa Dinamite

No meu pensamento,
A garganta raspava o ruído das palavras.
Subjetivismo: Que voz é essa
Que me esbugalham os olhos
E me arranca a laringe?
A pergunta ia...
E voltava recobrada de respeito,
Deixando-me os dedos entrevados,
As cordas vocais tensas.
O peso era tal que,
Eu golfava e engolia
Estômagos, esôfagos. Úlceras...
Aquele líquido amarelo, meio verdoso,
Parecia-me vir do cérebro.
Não tinha tanta certeza.
Meu pensamento se materializava
Num vômito crítico e involuntário.
Estaria naquela contração,
Convenhamos que um tanto mórbida,
O meu invólucro existencial?
Seria ela, a bile,
O escorrimento da minha existência?
A personificação do animal?
O engulho da consciência?

A comiseração do Ente
Emanava de suas entranhas mais infaustas.
Saia do buraco doente,
Das palavras cancerígenas da boca.
E eu, como que numa espécie de transe,
Falava, falava, dizia,
Na inconsciência desse rosnado animal,
Refletindo nas nuvens sobre o tempo.
Porém veio-me à tona,
Que das minhas ações de ser humano,
Ação factual,
Não diverge nenhum outro ser,
Nem tampouco o vegetal.

Um final de acidez.
Dou outro gole de cachaça.
A rebordosa, a ressaca,
Vinha como uma onda
E suas gaivotas matracas,
A extorquir, a espremer
A última gota deprimente,
Daquilo que é velado, da contradição.
Daquilo que é vil,
Daquilo que é vão.
Da imensidão supracósmica do Ser.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Sentimento Bruto (ou instinto)

Solidão.
Mãe instigadora
De olhos fúnebres e desolados.
Escuridão.
Lamparinas incandescentes
Em universais infinitudes.
Atmosfera desconhecida
De lúbricos polens.
Desvarios agudos,
Abstinências deprimentes.

Frenético, frenético, frenético.
Fragâncias, ofegâncias, truculência.
Frenético, frenético, frenético.
Luzes, vozes, vídeos, vezes... Vezes!

Aspereza.
Respiração estertorosa,
Coro sinfônico instintivo.
Camada.
Delicada parte limpa,
Corporal, apertada num trovão
De gotículas excretadas.
Suor.
Bárbaras expressões cálidas,
Lívidas relações fétidas.

Um desespero quase místico,
Um gozo quase orgástico.

Fricção, fricção, fricção.
Vultos, violência, vultos, violência.
Fricção, fricção, fricção.
Erupção. Prazer, estrago.

Plenitude.

Árvores secas (ou carpideiras mudas)

Tuas lágrimas caem.
Levemente elas desabam,
Transcendentes, elas abalam,
Melhor, pior, saem.

Lembro-me bem.
Conceitos e princípios repensados,
Avançava meus pensamentos pensando no passado,
Arriscava tudo como quem nada tem.

A perder, aprendi e errei.
Me conter, senti e soltei.
Procurando a melhor frase esqueci,

Lembrei de que era importante mentir,
E foi em mim mais intrigante sorrir,
Fechado de uma maneira quase sem chance. Vivi.

Tranquilidade de Momento

Sentado num sofá...
Na frente ia o tempo, como um filme, passando.
Pelas janelas das curtas relações verdadeiras,
Eu me alastro com um tênue toque de felicidade.

Esparramo o frio sóbrio da mentalidade,
Numa agitação de quem quer a morte,
Desviando o olhar como tendo medo
De um futuro tranqüilo, sem passado e corte.

Eu pulo no breu das coisas claras,
Acho um penacho do amor esquecido,
Lembro-me das dores, dos risos lascivos,
E os abraços destinados a alguém grosseiro.

Um Beijo no Vento

Eu tenho os braços para abraçar
E a simplicidade de amar.
Mas amo grande
E de carência afável.

Com um beijo estalo,
E aquela fogueira me acalenta o corpo
Que nas noites paro,
E sobre o seu ouvido
Cochicho línguas e toques
De virar os olhos.

É assim...
Passo as mãos em teus cabelos,
Como bem aliso o trigo,
E como que flutuando na violência estúpida
Dum estupro,
Amo-te numa pastagem
De alegres gemidos.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Árida

Seja o mar.
Bata contra as pedras.
Fure, acalente, molde.
Erga-se numa treva, numa tempestade,
E cuspa a sua espuma de raiva.

Mire a fresta.
Reclame a si o que foi seu.
Embale, acabe e afogue.
Afunde impetuosamente todos os barcos
E avance toda margem que te restringe.

Aconteça majestosamente.
Engula, mesmo o que já foi digerido.
Vá e volte, arrebata e escureça,
Enxuga no teu banho toda lágrima seca.
Destrói na tua ressaca todo olhar ressacado,
E permita aos loucos por amor, que mais uma vez esqueça.

Embriague as almas dos desalmados.
Arranque a última pétala dos apaixonados.
Corte-lhes a dor, a expressão. O amor.
A ultima lâmpada do juízo. A cor.
Esfole como se fosse pele.
Sangre como se fosse uma terra seca.

Variações

Há quem olhe o passado e veja dor,
Admire o futuro e morda a língua
Em confusão, sufocado com a delícia,
De um presente incógnito e traidor.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

E o fim

As luzes entraram.
Apagou.
O vento sopra.
Secou.
Vai embora agora!
Depois.
Te espero vida:
Corredor, parado, sempre, tanto.

Aperto o interfone.
Não é.
Chamo o elevador.
Não chega.
Durmo no chão.
Não triste.
Vou-me cansado:
Desperto, cuidadoso, morrendo, acabo.

Mister de um bosta

Esquecer...
Não tenho o dom de escrever,
Nem me esqueço,
Mesmo assim ainda escrevo.

Nem compor, nem esculpir,
Ainda sim eu canto
O prejuízo de me encantar
Pelo que não domino.

Pela vida, pela morte.
Qual eu sigo?
Entre o amor e o ódio.
Qual exploro?
Apelando ao desespero um sentido,
Que não me leve ao velar de um velório.