domingo, 2 de maio de 2010

Devaneio

Antes de mim nada aconteceu. Não me importa, não quero saber, nem precisa dizer. Poupe sua saliva. Por que tentar explicar? O que te faz pensar que assim eu ficarei melhor? O que te faz pensar que me deve explicação, satisfação, justificativa, motivo, qualquer coisa? Do contrário, eu não faria nada, eu não diria nada. Talvez até fingisse que nada aconteceu. Simplesmente pararia, olharia com uma doce indiferença pra que só aos poucos você fosse notando o meu distanciamento. Nada de supetão, mas gradativamente. Você entenderia. A minha frieza iria parecer mais um manto morno, racional ao extremo, longe de qualquer emoção, dor. Pra quê tanto sentimento? Isso só poderia nos magoar, anular aos poucos a nossa capacidade de amar e de expressar livremente esse amor. Ninguém merece ser amado. Essa é a maior prova de amor que alguém pode nos oferecer: não amar. Ninguém merece ser acometido, arrebatado, exposto à tamanha vária intensidade, à incerteza, ao peso esmagador. Ninguém merece adoecer de tão alta febre a nos colocar loucos.

Muitos relacionamentos iniciam-se sem que alguém precise dizer que começou. Simplesmente começam, como as amizades. Porém, para se findar um relacionamento, para pôr um ponto final, as pessoas ainda se mobilizam, se sensibilizam e reclamam uma reunião, como o divórcio para os casamentos. Será que não percebem? De onde vem essa necessidade burocrática? Por que pensar o fim, que não é um fim em si mesmo, como uma rescisão de contrato? Já vivenciamos isso cotidianamente em praticamente todas as esferas de nossas vidas. Por que, então? Pra quê estabelecer relações contratuais entre duas ou mais pessoas que se gostam. As nossas vidas não são feitas de pontos finais, mas sim de reticências.

O diálogo é importante, mas nem sempre ou quase nunca somos sinceros. Utilizamos a linguagem mais para esconder nossos pensamentos do que para evidenciá-los. É muito perigoso tentarmos solucionar nossos problemas mediante um diálogo sincero. Todo bem intencionado pela sinceridade é um suspeito em potencial das coisas desagregadoras.

sábado, 1 de maio de 2010

textos intermitentes

Eu vim deixando pra trás tudo que eu carreguei a vida inteira. Foi aprendendo a indiferença que eu comecei a perceber o que carregava comigo, em mim mesmo. Precisei de um tempo para, honestamente, fazer uma autocrítica, dos pés a cabeça observar os valores que eu trajava, dos pés a cabeça observar a minha imbecilidade, a minha figura cômica que era apenas reflexo do quanto ridículo e medíocre é a sociedade.
Quanta indiferença tem a natureza. Consigo nascemos e morremos (todos os seres vivos) e nem uma só lágrima derrama de consolo, nem um riso casual ou fingido, nenhum esboço de tristeza, nada. Não pensem que a chuva é a expressão deprimida do mundo. Ela é tão indiferente quanto ele, indiferente a si mesma, ao que faz, à água que derrama, à vida que espalha ao molhar e àquela que tira quando das enchentes, das enxurradas. Não sabe que molha, nem por que molha, simplesmente o faz.
Quando percebi isso, quando descobri o sentido da vida, que é não ter sentido nenhum, que não faz nenhum sentido, foi aí, eu acho, que decidi ser igual à chuva: espalhar-me sem distinção, sem julgamento moral, sem preconceito ou discriminação; sem opressão, pressão, raça, cor, credo ou presunção. Sem pressupor nada.