domingo, 12 de julho de 2009

Entre mim

Não preciso te beijar
Para sentir teus beijos.
Sinto-os
Quando me aproximo do teu pescoço
Quando inalo o teu sorriso
Quando a tua dança toca-me no peito.

Basto-me desse jeito.
Sobrevivo aos teus olhares
Como um ermitão pelo deserto
E como o mesmo
Nunca deixo de nele aventurar-me.

Entendo o teu carinho de criança.
E é ele que alimenta nossa relação.
A nossa ralação minha,
Solitária.
Tu para com teus cabelos
Eu para com o meu coração.

Amor?
Ridículo!
Por ti não sinto amor.
Isso é mentira.
O ser humano não ama.
Somente quero te chorar
Por aquelas feridas abertas
E que de tal forma ficaram para toda eternidade
Como estrelas palpitando inopinadamente
Nesse céu
Sozinhas entre si.

Não me embriagas
Nem sou louco por ti.
Aceito a sua saudade
Mas o que me toma
Não te me devolve.

A vontade de ser
Em suas pernas
Incestuoso em sua forma
Nas suas curvas
De despir-me das fraternas
Das lembranças
Das ternas conversas
Ingênuas palavras
De consumir-te à força
E perverter com fúria
O lírio dos pensamentos
A minha imagem de irmão.

Abrace-me!
Pois é nesse momento
Em que eu igualo-me a mim
Tornando-me você.

Cosmolidão (ou somente Pássaro)

Sou eu.
Sim,
Agradeço a todos que me puseram no galho mais alto,
Mais perto do universo,
Mais longe dos humanos.
De toda a minha humanidade.

Agradeço,
Pois hoje sou um pássaro:
Pairo por toda a miséria
Como o humano mais insensível
E o animal mais feliz.

Suave sobre as guerras,
Incisivo sobre as prezas,
Canto, debilmente,
A indiferença desse vento,
Desse tempo levando-me como pétala solta nos terremotos do esquecimento,
Nas catástrofes das paixões.

Rasgo o céu como um raio.
Acerto!
Cravo, fatalmente,
Minhas garras no choro do pôr-do-sol.
Somente escuridão.
Meus olhos refletem estrelas
E minha boca pede coração.

Bato as asas.
O infinito
Como um pai severo
Olha-me em silêncio e receoso.

Mais adiante, mais adiante!
Só eu posso voar.
Mais altura, às alturas!
Até onde o Sol possa me queimar.
Depois de mim
O Sol não irá mais pingar seus dias
Nem tilintar suas luas.
Depois dessa noite
O infinito tremerá
E suas flores bailarão
Nesse imenso jardim apocalíptico.


Oh, os grandes dias!
Os grandes dias...
Onde estarão a me esperar?
Quando o grito do inferno
Assumirá o paraíso?
Como a minha transcendência
Vislumbrará os precipícios do real?

Aceite esta ajuda.
O que lhe ofereço não é vida
Nem é amor.
Tenho uma parede de luzes
Que podem cegar
E um riso de verdades
Que podem doer;
Livros errados,
Mentes insanas
E alguma coisa racional neste poema.

Chegou a hora.
A minha última pena se foi.
Já soltei as armas, os pensamentos.
Eles começaram a assembléia.
O julgamento.
Quem será absolvido?
Não, eu não poderei.
Não pelos meus pensamentos,
Pois antes mesmo de proferir palavras
Eu fui condenado.
A sentença?
Segundo o artigo sete da Ignorância:
Ser Humano.

Sinto o ponto máximo.
Aqui o vento não circula.
O dia, nem a noite,
Reverberam suas cores deprimentes.
Os espaços são longínquos,
O que se come é inodoro,
As gargalhadas são mudas
E a vida... Simplesmente morte.

A existência burocrática.
Fui além!
Descobri vida fora das certidões
E quando as cobranças chegaram
Planei de azul
E nas tempestuosas nuvens
Banhei-me de fúria e calmaria:
Um silêncio que nunca ouvi.

Vou confessar o quanto é pequena

Vivendo a minha vida burguesa
Conheci Natasha.
Bela Natasha!
Cheia de vinho nos olhos
E vodka nos beijos.
Cheia de gracejos
E braços embriagados.

Natasha!
Sempre afogada num mar de sutilíssimos sorrisos
No desequilíbrio entre a noite e a ressaca.
Lançava aos idiotas
Seu perfume ardente, vertiginoso,
Seu destino de vento
Seu único espinho.

Pobre esse meu mundo superficial:
Organizado
Regrado
Hostil;
Nos limites da loucura bem aceita
Na margem do pseudo-intelectualismo.
Banal!
Como pretensioso
Pobre mundo burguês.

Cambaleante,
Música dilacerante para os olhos,
Vinha ela.
Por mais ébria que estivesse
Ainda mais sóbria do que eu sempre estive.
Ralhava as suas baixezas aos meus ouvidos.
Hálito alcoólico, melódico e demolidor.
Açoitava em soluços bêbados
Esse muro frio, moral e sem valor.
Meu!

À deriva
Rolando por ruelas
Como garrafas pelos oceanos
Abria-me suas cortinas, brisas, betânias,
Seu cheiro de pitu.
Bebia-lhe toda
Tragava-lhe por inteira:
Suas noites frouxas
O seu jeito de rameira
O futuro de estrela do mar.

A dor
E a cama de uma vagabunda.
Suja.
A minha consciência imunda
Transpira, escorre
Por essas curvas angulosas
Como uma dose de cachaça
Na garganta
Nos olhos
Ardendo lágrimas ácidas
Chorando desejo.

Incomodou,
Sendo vulgar,
Maculou o manto puro de minha hipocrisia.
Atire!
Pois, supremo,
Soberbo,
Conservei-me no degrau mais frágil e orgulhoso
Da minha engraçada classe média.

Nunca!
Pois nunca terei aqueles abraços
Aquele corpo em cima de mim
As mãos em meu rosto
A língua
As unhas
As marcas
A lembrança de fogo.

Era Natasha.
Para mim,
Vestida de cerveja,
Para outros,
De Puta Safada.

Chão de taco

Deito-me:
Seja o frio desse azulejo
Tão úmido quanto um dia de chuva
Quanto o ar cortante
E a placidez de um rio.
Que sejam os meus sonhos mais obscuros
Tão insondáveis quanto as profundezas de um oceano
Como uma mata virgem
Uma noite soturna
Como um bosque noturno e escondido.

Velejo sobre essa cerâmica espessa
Resvalo o meu cansaço nas folhas ainda molhadas
Intrépido nessa superfície
Com meu corpo escangalhado
Solitariamente
Sob essas margens
À deriva
Pelas frases curtas
E as palavras parcas.

Sozinho
Numa gaveta,
Trancado a chave,
Cheio de dúvidas,
Ausente de mim, dos outros,
Líquido, como sempre.
Vou mirar para além,
Para além dos horizontes aparentemente alegres.

Serei a nebulosidade
Afugentada pelo Sol
Erguer a régua dos empreendimentos sensíveis
Ritmar os passados remotos
Que resistem em viver
Insistentes, arrogantemente eloqüentes.
Estão ainda a deslizar
Na vastidão dos séculos
Oblíquos como alguns olhares
Vindouros
Atraentes
Para toda trajetória ofegante
Semelhante a ladeira da misericórdia
Em sua íngreme eternidade.

Pois então,
Permaneço deitado.
Um abismo infindável
Abre-se sob mim.
O meu rosto continua colado ao seu
Ao chão.
As idéias absortas
Presas a minha cabeça
São sujeiras de uma mente encardida, enferma,
Destruída pela guerra
Por esses filósofos incautos.

Como um relacionamento mal resolvido
Termino esse drama
Termino essa bosta.

Desisto

A luz está fraca.
Assim como eu,
Vai o dia esvaindo-se,
Porém querendo,
Voltando ser,
No resistir,
Martelando a idéia:
“É dia! É dia!”

Mas qual fosse a terra,
Quão fosse o mar
O sol naufragava.

Criacionismo

É no quarto escuro do universo,
Que eu irradio essa força atômica ociosa.
Aguardo as guerras, as distâncias,
Toda miséria cobertamente caridosa.
A minha mente é assim, miseravelmente caridosa.